Nessa quarentena, já que temos que ficar em casa por conta do Corona Vírus, a maneira que encontrei para me distrair foi a leitura. Por si só a leitura gera muitos benefícios e um deles é o de ativar a imaginação.
Assim, ao finalizar o romance Cai o Pano, de Agatha Christie – autora conhecida por suas histórias policiais envolventes – fiquei perplexa e deslumbrada pela forma engenhosa que a autora conduziu o livro.
Mais uma vez fui enganada a respeito da identidade do assassino, quero dizer, aquele que induzia outras personagens ao assassinato.
Normalmente me envolvo tanto com a história que quero ler logo até o fim, mas ao perceber que Hercule Poirot, a personagem marcante dos enredos de Christie, estava morto, estagnei e só depois continuei a leitura: Como assim Hercule Poirot encontrado morto? Confesso que foi tocante ler esse trecho. Ali um sentimento de perda devorou-me.
A carta que Poirot deixou para seu amigo Capitão Hastings é simplesmente a chave para o livro todo. Cada detalhe que passou despercebido por Hastings, o narrador, depois esclarecido por Poirot, foi sensacional. No decorrer da leitura da carta percebi o quanto estava pensando como Hastings e não estava usando as células cinzentas. Novamente Christie conduz o leitor (eu no caso) ao erro. E depois mostra que estava tudo na nossa frente.
As palavras, realmente, exercem grande poder, pois era através delas que a personagem Norton induzia os demais. Há um outro componente essencial do livro que é o fenômeno da intertextualidade, que a autora traz da peça Otelo, de William Shakespeare.
Só de pensar que este livro foi escrito nos anos 40, no contexto da Segunda Guerra Mundial, e que ela guardou os manuscritos num cofre, só publicando-os em 70, é fascinante! Como pôde ter feito depois disso tantos outros romances com Poirot, tendo ele já morto em sua cabeça? E por que teria feito isso?
Alguns críticos alegam que Dame Agatha, sendo muito zelosa com seus personagens, não quis deixar margens para que outros autores de novas gerações prolongassem suas aventuras. Tal ocorrência, por exemplo, acabou acontecendo com a obra de Arthur Conan Doyle, que teve a longevidade de seu Sherlock Holmes mantida por seus leitores, seguidores e pesquisadores, que o frutificaram em todas as suas seriações que lemos e assistimos até hoje.
Portanto, Agatha teria então planejado o fim do personagem, e talvez por isso teria intitulado o romance de Curtain (cortina), reforçando a ideia de uma tragédia shakespeariana, a ser contemplada no palco teatral, como se o ultimo caso de Hercule Poirot fosse então o seu último ato.
Para esses dias de isolamento social, que tenhamos como amigo um livro e que possamos nos aventurar nos mais distintos universos.
Tangriane Leal